De Salvador para Cachoeira. De Cachoeira para Feira de Santana. De Feira de Santana para Santo Amaro. Desta trajetória de vida da minha avó aqui registrada, herdei histórias e hoje, compreendo que o importante aqui não foi o destino, mas sim o percurso. Caminhei aqui para registrar, salvaguardar e difundir histórias.
Convido você para ir junto. Caminhar comigo e com ela.
A entrevista
É aqui que dou início ao fim do meu blog. Irei entrevistar minha avó Arlinda Santos Bispo, dona de uma sabedoria que eu acho incrível, uma mulher de riso fácil, lutadora, nascida no dia 21 de junho de 1928 no povoado de Itapetingui nos arredores de Feira de Santana. Foi nesse povoado que ficou até os 15 anos. Abandonada pela mãe Albertina, aos 3 meses de nascida, depois do falecimento do pai Ciro, foi criada pela madrinha que até hoje ela chama carinhosamente de "Dindinha" e seus familiares, que levaram minha avó para a cidade de Santo Amaro, aonde ela reside até hoje com 88 anos de idade.
Fazer essa entrevista foi uma honra para mim, minha avó tem um papel importante em vida.
Delane Lima: Como era a vida no povoado de Itapetingui?
Arlinda Bispo: Comparada a hoje, vejo que tive uma vida pesada. Meu pai trabalhava na Usina Itapetingui desde de muito novo, juntamente com meus avós, e eu ficava na casa grande, onde desde de cedo ajudava a cuidar dos pequenos.
Delane Lima: Por qual motivo a senhora saiu do povoado de Itapetingui?
Arlinda Bispo: A vida era dura. Estava sozinha, depois da morte de meu pai e quando minha madrinha "Dindinha" soube quando meu pai tinha ido, ela veio me buscar para morar em Santo Amaro. Não pensei duas vezes, deixei uma vida que eu não queria lá.
Delane Lima: Como foi a sua chegada em Santo Amaro?
Arlinda Bispo: Me lembro que era uma cidade cheia, movimentada e quando desci na estação da Leste lá no Calolé (bairro da cidade) percebi que era uma nova vida, nasci de novo, sabe?! Fui trabalhar na casa dos Costa Pinto (família de posses da época) como babá, não tive estudo, precisava trabalhar para ajudar.
Igreja de Nossa Senhora da Purificação. Fonte: Google Imagens |
Delane Lima: E como era a cidade nessa época? O que te marcou?
Arlinda Bispo: Me lembro como hoje, em novembro de 1956 eu já tinha parido sua mãe, vivíamos trabalhando muito, então todo mundo foi surpreendido com a subida rápida das águas do Rio Subaé. A gente ia para as principais parte da cidade para assistir a descida das águas. A princípio a gente fez "festa", mas o volume da água aumentou bem rápido e a parte mais pobre que era o lado que eu morava foi que mais sofreu. O mercado Municipal aonde seu avó trabalhava, ele teve prejuízo, pegava a mercadoria na canoa, mas na parte da nossa família não teve ninguém que morreu. Em 1962, ás águas subiram novamente mas não fui do mesmo jeito. Me lembro que teve outra enchete, não me lembro o ano (foi no ano de 1966), mas nas ruas do Sergimirim, Sininbu, no Sacramento e Ideal, deixou muito gente desabrigado, alguma casa desabavam, a gente tentava ajudar, e agradecemos muito ao Padre Fenelon Costa, que instalou na Sacristia da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, um posto de atendimento, com remédios e roupas para os desabrigados, a escola Padro Valadares, aonde seu pai estudou, abriu as portas para acolher os desabrigados da região de Maricá. O Governo do Estado também ajudou bastante o povo.
Margem do Rio Subaé - Fonte: Google Imagens |
Delane Lima: E depois dessa tragédia, houve outras que marcou a senhora?
Arlinda Bispo: Ah, minha filha, até hoje quando chega esse dia, dói, sabe, penso nos amigos que perdi lá no mercado... Era véspera de São João, o mercado tava movimentado, a feira começou cedo, e por ser São João, tinha duas barracas de fogos que eram de Raimundo (Reis) e o outro não me lembro, e segundo o povo, a causa do incêndio foi essas cobrinha que vocês brincavam quando eram pequenos... Mas na outra barraca tinha muita pólvora e dinamite para pesca que eles vendiam. Daí foi um verdadeiro inferno em cima da terra. O fogo espalhou rápido demais, os fios partiam, as pessoas que estavam no mercado e nas barracas foram carbonizados, minha filha, o seu bisavô ( pai de meu avô) perdeu o pai lá, tentando ajudar as pessoas, ele salvou muita gente, mais perdeu a vida.
Delane Lima: Depois de trabalhar como babá qual foi outra profissão que a senhora teve?
Arlinda Bispo: Trabalhei como cozinheira na casa dos Barros, foram um dos que desenvolveram o transporte rodoviário, onde meu tio trabalhou na empresa Camurugipe (Auto Viação Camurugipe). Lá tive a oportunidade de dar uma vida melhor, pra sua mãe, mesmo sua mãe já encaminhada. Trabalhei muito pra sustentar minha família, e mesmo assim estudei, era difícil, mas não deixei sua mãe sem estudar. As coisas iam melhorando...
Delane Lima: Quais as histórias que a senhora conhece sobre a Maçonaria de Santo Amaro?
Arlinda Bispo: Existe há muito tempo... a família que trabalhei os Costa Pinto foi um dos fundadores juntamente com a família Veloso, entre outros que não me lembro... Antes, a sede ficava lá no Sergimirim, depois de muito mudar de lugar, agora fica próximo da praça. Eles ajudaram muito o povo, e ainda acho que deve contribuir em benefício da sociedade, a parte pobre.
Av. Viana Bandeira, Igreja de Nossa Senhora do Amparo e a Maçonaria. Fonte: Google Imagens |
Delane Lima: A senhora conheceu alguém que foi preso no período da ditadura?
Arlinda Bispo: Essa época foi dura, meu paquera da época, quase foi preso, ele tinha uma barbearia que o povo se juntava para jogar conversa fora, e o povo inventou que era ali encontro que se dizia comunista. O povo denunciou, ele fugiu.
Bonde puxado a burros, na Rua Direita. Fonte: Google Imagens |
Delane Lima: E vendo o que era a cidade de Santo Amaro hoje que a senhora mora, o que mudou da Santo Amaro de quando a senhora chegou?
Arlinda Bispo: Mudou muito pouco minha filha, o pessoal da alta sociedade que continua mandando na cidade, e o pobre continua pobre, sem chance de se dar bem aqui. Veja, vocês tudo, estudaram na cidade grande, e tem emprego lá. Trabalhei nessas casa, e o que eu vi era sempre eles querendo se dar bem em cima do pobre. Santo Amaro decaiu pela ganância desse povo. Nunca pensaram no pobre. O povo da parte do Rio aonde eu morei, as oportunidades eram poucas... A minha luta era pra minha família vencer, e ela teve oportunidades fora daqui.
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